Sinopse e Samba-enredo do Paraíso do Tuiuti 2019.


O Paraíso do Tuiuti
decidiu o enredo que levará para o carnaval 2019. A agremiação abordará “ O
Salvador da Pátria”, uma história do bode que foi eleito vereador em Fortaleza.
O animal recebeu votos em forma de protesto.

O Tuiuti destacará
novamente um tema crítico, vale ressaltar que o desfile do carnaval 2018 foi
marcado por forte crítica política e social.

A agremiação de São Cristóvão
também já escolheu o samba enredo para o carnaval. 
Venha conferir a sinopse
do Enredo e o samba-enredo 2019.




SINOPSE
Vocês que fazem parte dessa massa irão conhecer
um mito de verdade: nordestino, barbudo, baixinho, de origem pobre, amado
pelos humildes e por intelectuais, incomodou a elite e foi condenado a virar
símbolo da identidade de um povo. Um herói da resistência!
Não posso provar, mas tenho total convicção da autenticidade de tudo o que a
ele atribuíram…

Não se sabe muito bem de qual paragem veio aquele cabra, ou melhor, bode.
Dizem que era retirante da grande seca no sertão cearense imortalizada pela
escritora Rachel de Queiróz, em O Quinze. Naqueles tempos de
República quase balzaquiana, o Governo interceptava as procissões de
fugitivos da miséria. Com medo de uma invasão furiosa, devido à fome que
consumia aqueles esquecidos teimosos em se fazerem lembrar, pastorava o
povaréu num campo de concentração antes que chegassem até a cidade. Porém,
como o sertanejo é, acima de tudo, um forte, quando viu a terra ardendo e
sentiu a baforada do Zé Maria no cangote o bode bumbou até Fortaleza com a
coragem e a cara.

Penou, mas chegou.

Sentiu a brisa fresca do litoral acariciar aquela carcaça sofrida, castigada.
Deixou para trás o passado capiongo, quando foi comprado por José de
Magalhães Porto, representante do industrial Delmiro Gouveia, correspondente
da empresa britânica que comercializava couros, peles, sementes de algodão e
borracha, a Rossbach Brazil Company, localizada na Rua Dragão do Mar, Praia
do Peixe. Dali virou mascote com direito à liberdade de ir e vir que, aliás,
era bem praticada. Apreciava o movimento de barcos e jangadas enquanto
perambulava entre os pescadores e seguia o aroma dos tabuleiros das
merendeiras, tanto que os populares da região logo se afeiçoaram ao bichim.
Dizem até ter remoçado em sua nova vida à beira-mar.

Ao cair da tarde, arribava pra Praça do Ferreira sassaricar com os artistas e
intelectuais, herdeiros da Padaria Espiritual, no Café Java. Os boêmios
acreditavam ser o poeta Paulo Laranjeira, reencarnado depois que o cabrão
reagiu ao ouvir uma composição feita pelo desencarnado em homenagem a sua
decepção amorosa. Desde então, o bode caiu nos braços da boemia. Bebericava,
pitava, serestava pelas ruas, vielas e mafuás, botando boneco noite a fora.

De tanto vai e vem passou a ser chamado de Ioiô.

E lá se ia o bode Ioiô bater seus cascos Belle Époque alencariana
adentro, sem a menor cerimônia, entre as modas copiadas do estrangeiro pelas
“pessoas de bem” da sociedade. Passeou de bonde elétrico, frequentou o
Theatro José de Alencar, participou de saraus literários e até comeu a fita
inaugural do Cine Moderno.

Sentiu as Mademoiselles espilicutes exalando um perfume de civilidade
europeia quando saíam da Maison Art-Nouveau em direção ao Passeio Público.
Doce aroma que era constantemente interrompido pelo peculiar cheirinho de
certo bode que dava rabissaca pro Código de Conduta imposto que, dentre
muitas medidas disciplinadoras, proibia animais soltos nas ruas. Um Dândi
sertanejo tão incômodo como as camadas pobres e marginalizadas as quais o
poder desejava esconder por debaixo dos tapetes chiques para não atrapalharem
savoir-vivre nas avenidas, confeitarias, jardins, clubes e
salões. Assim, velhos hábitos considerados de gente subdesenvolvida deveriam
ser substituídos por novos costumes, os bons modos. Tanto cidade quanto
população careciam ser modificadas, remodeladas num choque de aformoseamento.
Afinal, para a elite, as maravilhas do mundo moderno não harmonizavam com a
matutice do povo.

Povo, aliás, que já era mamulengo nas mãos dos poderosos, há muito tempo. A
política republicana havia herdado antigos sistemas coloniais que se
consolidaram em influentes famílias tradicionais e no domínio dos coronéis
latifundiários, pois a prática do “manda quem pode e obedece quem tem juízo”
era um tiro certeiro. Cabia à população ser tratada como gado trazido em
cabresto curto, quais as aves de rapina direcionavam para onde quisessem, e
cativos em currais eleitorais para que ela mesma sustentasse o sistema que a
prejudicava.

Com um cenário governamental mais parecido com um covil repleto de animais
nocivos ao interesse público e a feérica intervenção de aculturamento, a
insatisfação popular só crescia. Até que a resposta do povaréu veio em forma
de protesto no mais inesperado momento: nas eleições. Ao abrir a urna eleitoral
se ouviu o berro do povo escrito nos votos que elegeram o bode Ioiô para
vereador na Câmara Municipal de Fortaleza. Um deboche com os poderosos.
Molecagem porreta! Sem ter feito campanha um animal ruminante era eleito pelo
povo como seu representante! E, de fato, há muito já era um símbolo da
identificação sertaneja que a elite (ameaçada pelas cédulas de papel) queria
suprimir.

Contam que o fuá já estava instalado quando os poderosos articularam um golpe
para que o bode Ioiô sofresse um impedimento e não assumisse o cargo ao qual
foi eleito legitimamente, em processo democrático. Porém, a justificativa
jurídica de incompatibilidade de espécie não livrou os políticos daquele
vexame retumbante e só alimentou o monstro: Ioiô saiu da vida pública para entrar
na história.

O bode mitou. Até hoje seus admiradores o defendem como ícone de
empoderamento popular, representatividade dos marginalizados. Segue
comandando a revolução do inconformismo seja nas lembranças dos
memorialistas, nos cordéis, nos livros, na sala de um museu ou pelos blocos
carnavalescos. Ioiô é a imagem da resiliência de um povo que faz graça até da
própria desgraça e, com esse jeitinho inigualável, nos revela o genuíno
salvador da nossa pátria: o bom humor.

[Isso aqui, Ioiô, foi um pouquinho de Brasil].

Lembrete:

Votar em animais é e sempre será possível.

Enredo do Paraíso do Tuiuti 2019.

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